análise fotográfica: Mario Cravo Neto e Maureen Bisiliat
[Fotos (no sentido de leitura): "Deus da Cabeça" (1988) Mario Cravo Neto, "Homem com dois peixes" (1992) Mario Cravo Neto, "Pele Preta" (Década de 60) Maureen Bisiliat, "A João Guimarães Rosa" (1966) - Maureen Bisiliat]
Na aula do dia 10.12 foram sorteados dois fotógrafos por cada grupo de alunos, para que pesquisássemos sobre eles e analisássemos duas de suas fotografias - principalmente como planejam suas composições gráficas e fotográficas, a partir dos elementos, luz e sombras. Escolhemos as quatro imagens em grupo.
Com a atividade, percebi que as composições gráficas são pensadas para atrair o olhar do espectador para pontos específicos que o fotógrafo quis ressaltar. Algumas dessas estratégias são: uso da perspectiva, eixo de simetria traçado, regra dos terços, luz e sombra. Esses elementos criam narrativas dentro do momento capturado, o que ajuda a entender o que o fotógrafo quis contar/mostrar ou até esconder/omitir.
Os dois fotógrafos selecionados foram Mario Cravo Neto e Maureen Bisiliat. Considero que o plano de fundo do artista (de onde veio? qual sua formação? vivências? ... como se alimenta? rs) reflete muito em sua obra. Dessa forma, vou comentar aqui um pouco sobre a vida de cada um desses fotógrafos, para, assim, analisar as fotografias com mais clareza.
Mario Cravo Neto
Nascido na Bahia, Mario Cravo Neto é, além de fotógrafo, escultor e desenhista. Muito influenciado pelo fotógrafo e etnógrafo Pierre Verger, suas fotografia são, na maioria, em preto e branco. Nas suas fotos, predomina o uso de baixas luzes, enquadramento fechado e foco nítido. Um elemento que chamou atenção em suas composições, feitas em estúdio e com luz artificial, foram as sensações sensações tácteis (volume e texturas) reforçadas pela luz e sombra. A temática remete à símbolos religiosos católicos e do candomblé, contendo certo engajamento social.
"Deus da Cabeça" (1988)
Para a fotografia acima é possível perceber que houve preparação: tanto do modelo (pintura na pele), quanto do cenário (quase um fundo infinito) , dos objetos em cena (vide tartaruga em mãos), da pose (não cotidiana) e da luz (direcional e artificial). Ou seja, não é uma fotografia natural - diferente das de Maureen, que irei explorar mais a frente.
É notável que a cena transita pelo imaginário religioso e místico, assim como há uma relação inesperada entre a figura humana e a animal (tartaruga).
Um dos motivos dessa ter sido uma das fotos selecionadas é a pluralidade de texturas encontradas. Pela foto ser em preto e branco, foco único e fundo escuro, esse efeito táctil é ainda mais acentuado. Podemos ver as texturas criadas principalmente no cabelo, na pele e na tartaruga.
Para a estratégia de composição, nota-se a centralização de tudo em cena. Outra estratégia é o eixo de simetria gerado, melhor percebido quando traçamos uma linha vertical cortando a imagem bem no centro.
Assim como na foto anterior, vê-se que essa também foi tirada em um estúdio com a devida montagem de cenário e posicionamento. A centralidade, a (quase) simetria, o foco único e uso da relação inesperada entre a figura humana e a animal (agora, dois peixes), ainda estão presentes. A luz, praticamente unidirecional, vinda do canto superior esquerdo da imagem, ressalta os peixes, em detrimento do homem. O efeito táctil se encontra nas escamas dos peixes e na água que escorre pelas costas da figura humana não identificada.
Maureen Bisiliat
Sheila Maureen Bisiliat é uma fotógrafa nascida na Inglaterra e estudou pintura em escolas renomadas. Maureen se muda para o Brasil em 1957. Suas fotografias aqui começam a se inspirar em obras de grandes autores da literatura - como Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade. Ela foi uma das responsáveis por ajudar a levantar um fundo de arte popular latino-americana para a Fundação Memorial América Latina, junto com o antropólogo Darcy Ribeiro. Suas fotografias podem ser consideradas engajadas socialmente. Suas fotos foram tiradas fora do estúdio, trabalhando com a iluminação natural e pessoas em situações cotidianas. Seus registros, muitas vezes, demonstram o movimento da vida acontecendo entorno daquele momento capturado. As imagens, paradoxalmente, parecem não se decidirem entre a ficção e a realidade.
"A João Guimarães Rosa" (1966)
A foto acima de Maureen tem temática inspirada na obra "Grande Sertão Veredas" de Guimarães Rosa, como aponta o nome. A composição da foto é muito interessante, uma vez que, mesmo estando contra a luz e assim possuindo os efeitos de luz e sombra levemente distorcidos, é possível ver que o ponto de fuga coincide com o ponto de iluminação da imagem. A sensação de movimento e fluidez do momento capturado são claras. Maureen se apossa da Regra dos Terços para escolha do enquadramento. A Regra dos Terços nada mais é do que dividir a figura em 9 partes iguais entre si (duas linhas verticais e duas linhas horizontais equidistantes), assim os pontos de intersecção entre esses quadrantes é para onde o olho do espectador será mais atraído. Dessa forma, da foto, os homens em seus cavalos são destacados. Acredito que, por Maureen ter sido pintora também, a artista tem o senso da regra dos terços e perspectiva bem internalizados, de modo a reproduzir isso nas sua fotos em ambiente externo com o movimento natural da vida acontecendo.
"Pele Preta" (Década de 60)
No momento capturado acima, também é possível ver a Regra dos Terços, que coloca a face da criança centralizada na imagem. A luz natural que entra da janela, também destaca o rosto do menino, como suas asas. Aqui é possível traçar um paralelo entre Maureen e Mario Cravo Neto: a textura das asas obtida com a maximização da percepção de luzes e sombras. Aqui, a presença literária da temática se dá pelo poeta Jorge de Lima. Diferente da última foto analisada de Maureen, percebemos que essa foi mais "montada", apesar de passar muita naturalidade. Percebemos a imagem com objetivo estético, jogos de luz para provocar espectador, refletir sobre o que vê.
fontes:
1 MENGOZZI, Federico. Brasilidade. Conversa com Maureen Bisilliat. Nossa América, Revista Memorial da América Latina, nº 21, 2004. Disponível em: [http://www.memorial.sp.gov.br/memorial/revistaNossaAmerica/21/port/64-brasilidade.htm]. Acesso em: março 2006.
- MARIO Cravo Neto. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2620/mario-cravo-neto>. Acesso em: 13 de Dez. 2020. Verbete da Enciclopédia.ISBN: 978-85-7979-060-7
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