Hertzberger - do quarto à cidade

 


    Quando li "Lições de Arquitetura" de Herman Hertzberger, a dualidade e o paradoxo da criação, abordados constantemente no livro todo, me chamaram atenção. Nada "é" só por "ser". As coisas tem intenções mas só elas não bastam. O uso, a necessidade e o dia-a-dia dizem muito mais sobre essas tais coisas do que a intenção do arquiteto ao cria-las. E essa arquitetura, Hertzberger diz estar não só no plano físico, mas também nas interações (público privado, principalmente), nas sensações, nas identidades culturais. Então trouxe Hertzberger pro meu quarto, na minha casa, nesse quarteirão, na cidade.

Meu quarto

    Hertzberger faz muitas análises de público e privado, todas elas com base na comparação. Ao tomar a casa toda como exemplo, o meu quarto é o espaço mais privado dos cômodos, pra mim. É onde durmo, onde minhas coisas estão e é onde tenho a maior sensação de acolhimento na casa. Divido meu quarto com minha irmã. Por não ser um quarto muito grande, as soluções aplicadas nele visam a otimização do espaço. Assim a circulação é melhor e o ambiente fica mais organizado.
    Durante a pandemia, tenho passado muito mais tempo em casa (eu e todo mundo). Mesmo assim, tenho usado meu quarto com as mesmas funções de antes. Venho pra cá pra tocar meus instrumentos, ler, dormir ou só ficar sozinha um pouco. No entanto essas funções foram intensificadas, tenho feito muito mais isso. Isso fez com que as disposições dos objetos fossem testadas e que eu acabasse por mudar algumas coisas de lugar. A minha cama, a da parte de baixo da beliche, era encostada na parede da janela. O móvel debaixo da janela ficava na parte sobrando debaixo da beliche. Mais espaço foi liberado. Fiz isso no final do ano passado. Passei algumas dias acordando sem ter noção de onde estava (sensação muito doida btw), mas gostei. Essa foi uma experiência que identifiquei um caráter da estrutura como espinha dorsal generativa, só que num espaço mais micro do que os dados como exemplo no livro (a superestrutura e Villa Savoye de Corbusier, a Universidade Livre de Berlin...). Por os móveis do quarto possuírem medidas que possibilitam a agregação/ encaixe/ sobreposição de um no outro, vejo liberdade na escolha de poder mudar (e mais de uma possibilidade ser adequada ao mesmo propósito). Cresci aqui nessa casa, a disposição do quarto agora é a que mais me atende hoje, mas se a relativa fácil possibilidade de mudança me faz sentir bem.

Como dito no livro quando se referindo à Escola Montessori, "se você não tem um lugar pra chamar de seu, você não sabe onde está", a parede de giz é um lugar no meu quarto que faz com que eu me identifique muito com ele.



Na casa

    Sinto minha casa como um ambiente vivo, com personalidade. Os livros mudam de lugar conforme alguém está lendo, as plantas trazem vida, cada canto tem uma história. 
    Meu quarto dá num corredor que liga pros outros cômodos.

 O corredor fornece um tipo de gradação na transição para espaço mais público da casa (sala e cozinha), por já não ter porta e ter a parede semiaberta. O ambiente encontrado no meio, o escritório, também é um espaço que se encontra nessa transição, uma vez que todos da casa usam, mas quem é de fora geralmente não usa nem vê.




No bairro

Atrás da quadra da minha casa tem uma praça recém reformada - plantaram árvores, acontece uma poda regular e foram colocados aparelhos de ginástica. A praça não possui cadeiras nem bancos que tenham como o objetivo sentar.
    Ausência ou a adaptação de bancos nas praças como política de "segurança", é um aspecto cultural que Hertzberger aponta interferir na arquitetura. Visando não "atrair" moradores de rua com locais que os mesmos poderiam ficar - por ser público - políticas públicas fecham os olhos para esses cidadãos e o conforto da população é ignorado. Praças tem seu intuito remanejado e viram obras faraônicas que as vezes se tornam elefantes brancos na cidade. Assim, lugares públicos podem ser considerados públicos se não são para todos?


Na cidade

    Moro em Uberlândia-MG, que hoje tem cerca de 800 mil habitantes. A cidade não foi projetada planejada e cresceu a partir de onde hoje se encontra o  Centro da Cidade. Assim, a fundação da cidade seguiu um princípio caórdico como descrito por Hertzberger. Conforme o município crescia, demandas de obras públicas foram surgindo e foram sendo atendidas aos poucos - como no capítulo "A estrutura como espinha dorsal generativa" quando citam o caráter espontâneo e depois controlado das Casas Flutuantes na Holanda. Com o desenvolvimento da cidade, normas urbanas também foram sendo geradas e hoje um aspecto que lembra o de "Grelha" que pode ser notado, principalmente nos bairros mais recentes. A cidade pouco explora o acesso público ao espaço privado com galerias - único exemplo que me vem na cabeça é uma parte do Terminal Central. No entanto essa sensação é explorada de outras formas.
    Uma obra que explora de maneira interessante o público e o privado é o Teatro Municipal, projetado por Oscar Niemeyer.

    Na área do estacionamento do teatro é comum ver muitas pessoas utilizando o espaço de estacionamento como espécie de "praça" para lazer. Com o piso plano, pessoas se reúnem pra patinar, andar de bicicleta,  skate - mesmo durante a pandemia.
    O espaço privado se encontra dentro, com 800 lugares. Com um teatro desse porte, a cidade recebe mais eventos musicais e teatrais, impactando diretamente na possibilidade de acesso à cultura dos habitantes. As escadas (na primeira imagem no canto direito), se tornam arquibancadas em eventos ao ar livre e são usadas como assento, assim como sugerido no Livro.


    O espaço interno está entre o público e o privado. Quando o Teatro está em funcionamento, qualquer um pode entrar até certo ponto- o primeiro andar. Aqui percebemos uma passagem mais brusca de um para o outro. O local também recebe exposições.




   

Comentários

  1. Trabalho muito bonito e completo, demonstra ter lido e entendido os conceitos abordados no livro. A parte da casa está extremamente bem explorada, ela traz vários conceitos do Hertzberger para vários detalhes de sua casa, e as fotos com explicações didáticas fornecem ainda mais conteúdo. Apesar de ter falado muito bem da cidade, gostaríamos de ver maior desenvolvimento da sua rua. Não propôs nenhuma inovação quanto à leitura do espaço.

    Análise de: Ana Júlia Freire, Jade Dalfior, Maria Luiza Costa.

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